Minha trajetória:

|

Eu...eu... deitado no chão, alertando sempre para a posição exata de minhas mãos, vou ouvindo os lugares narrados pelo Lucas. Eu viajo por eles ou pelo menos tento. Os lugares que conheço que, de certa forma, dialogam comigo quase sempre me fazem abrir um leve sorriso. O pássaro que grita me avisa que está perto de começar a dançar. Foco na música. Entro na coreografia como quem quer se abrir para este novo mundo que presentificamos em cena. Sinto-me bonito. É uma sensação estranha. Com as mãos na cintura encaro pela primeira vez a plateia. Sinto-me uma obra de arte, a musa de um poeta pouco falado, desconhecido. Seguimos neste ir e vir, de um lado para o outro. Como quando balançar as pernas no ar me faz lembrar o quanto gosto de estar em cena e defender este espaço. A Luar me diz coisas sobre um jardim, eu compreendo, mas prefiro me divertir. Saio espaçosamente de fininho. Ponho os meus óculos. Eles me escondem para minha confissão. Pego a foto, uma foto qualquer. Ainda não sei que foto será. Imagino sempre uma mulher segurando um bolo. O nome da minha mãe é Ulysséa eu digo. Busco dividir o texto entre as duas plateias. Busco na plateia a mãe do Lucas. Saber que ela estará um dia me dá confiança. Não quero reconhecê-la, quero que o texto nos una. Saudade boba. A música nos embala para dançar. Acho que este é o momento onde eu e a Luar dividimos uma intimidade boba, uma vontadezinha de dançar nas esquinas e beiras da vida. Eu sempre penso que vou errar a corridinha e me esforço para que não ocorra. A Luar me conta sobre Marlene. Eu assisto como quem vai ao Municipal pela primeira vez. Eu estou no Municipal, nos anos passados, com a minha taça, o meu terno e o meu sorriso de canto de boca. Cai a máscara. Marlene sou eu. Vítima de todos os homens que por mim passaram. Um vestido de noiva me denuncia. Eu sou neste momento uma das "noivas de copacabana" - saudade dessa referência que só divido agora. O Pedro me apresenta um envelope e essa é a primeira vez que nos relacionamos. A mão dele sabe do meu passado e é este lugar que procuro buscar quando caminho em sua direção. Nomes. Nomes. Digo, ou procuro dizer, os nomes como quem fala de frente para um ventilador. Os lábios vão ficando secos. Rígidos. Cambaleio de leve. Em paralelo a Luar, Marlene agora somos todos nós. Todos aqueles que nunca souberam a hora certa de partir ou de pedir um abraço. Ir e vir. Diagonal. Eu não posso errar as pernas, não posso esquecer de dobrar a coluna nem dos quiques finais. A Luar é uma graça e ela me despe como quem esconde uma arma. Juntos, dançamos uma brincadeira de gato e rato, dama e vagabundo sem conseguir identificar quem representa qual papel. Embrulho nossos restos. Falo. Falo sobre a madrugada e constato. Busco a constatação que o Lucas teve ao escrever este texto e não consigo. Persisto. Me sinto frágil pois sei que ele ainda não comunica. Peço a ajuda de todos. Coragem. Troco de roupa. Não sei o que fazer enquanto a Luar ainda não começou a gaveta. Hoje, decidi acompanhar o Lucas em suas tentativas de escrever uma carta de amor. Me sinti bem, me sinti amado. Inauguro o meu jardim como quem abre um programa de televisão. Faço doce, critíco a arte, expondo com atitude o meu romero lero. Anuncio o encontro. Emudeço. Encontrar o Pedro é para mim a pior coisa nesse momento. Busco nos olhos dele as tristezas que sei que já passou. Entendo. A Luar quicando vai me cansando e este cansaço me desequilibra. Meu foco é não perder o olhar do Pedro em nenhum momento. Sou poste. Sou um taroco de sentimento. A fala do Lucas me confunde, me irrita... O Pedro quando fala do fogão me emociona e eu não posso chorar. Recuso o movimento. Um prédio desaba em minhas costas: é a Luar vestida de bicho preguiça mais cansada que a lua. Eu volto para o jardim que, desta vez, não tem graça nenhuma. É chato. Atenção: não confundir bobos com burros, já dizia Clarice. Retomamos de leve a coreografia do início. Eu gosto...é um dos poucos tempos que tenho para respirar. Balanço as pernas mais uma vez. Tenho a sensação que a luz diminui. Estamos em uma sala de aula, em um consultório médico ou dentro da cabeça do Lucas, perto das inquietações dele. O Lucas se humaniza neste momento e nós junto com ele. Ele fala da avó que criamos e a bola na minha boca é coração cansado, mas vivo. Eu...eu...eu...eu tento falar sempre alto. Eu sempre me imagino esperando o ônibus para Niterói no ponto do Rio Sul. Levantar é quase impossível. Esperar mais ainda. Esperar dançando é uma dor para o corpo. Seguimos. Mais um ir e vir. Um dos que eu mais gosto. Nos encontramos para dar lugar a um diálogo. Todo dia ele tem um sabor diferente. A gente se reconhece nele quando brinca com as palavras. É doce morrer (não me lembro de quem é esse frase. Talvez do Caio F. não lembro mesmo.). Jogo o balão e corro. Corro como quem não vai em busca de nada. Busco adequar meu corpo ao ritmo que a corrida pede. Sou um capitão do time dos gordinhos que vai vencer pela primeira vez o campionato anual. Sou capa de um filme da sessão da tarde. O Pedro e o Lucas chegam. A corrida inaugura um sentimento de liberdade ao espetáculo. Somos crianças, rimos e passamos o anel. Me boicoto, não quero mais brincar. Cresci e preciso beijar na boca. Como é que se pede um favor? Eu tento. Amadureço. Moro no Flamengo e abro a gaveta esquecida da mesinha de cabiceira ignorada. Digo coisas e tento me convencer do que digo. Estranho uma profissão que não escolhi. Sou irônico.Com a gaita aciono a Luar. Dançamos feito loucos, truncando movimentos e sentimentos. Este texto me abala e o Lucas e o Pedro parecem me desvendar com as palavras. Enlouqueço, perco a força e a respiração. No microfone, aos trancos e barrancos, procuro pela mesma pessoa a 192 anos. É bonito morrer na praia. Lembra de mim...

2 comentários:

Lucas Canavarro disse...

Não sei explicar o que eu senti quando li.

Caio Riscado disse...

seu lindo.

Postar um comentário

 

©2009 Todo Esse Mato Que Cresceu Ao Meu Redor | Template Blue by TNB