Pequeno

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Mesmo até meus dezoito anos de idade, ela continuava me dando as tais pílulas todos os dias. Não para crescer os músculos, ou ter a pele mais bonita. Para ser menor. Ela achava bom que eu fosse menor, e eu as tomava sem questionar. Minha avó: me criou mostrando que se eu estivesse na prateleira de um supermercado, só poderia ser um brinde, de tão pequeno. Desses que vêm nos sucrilhos. Dentro da caixa, pra ninguém ver, nem saber o que é, e ainda assim querer e reclamar se faltasse. Era a piada madura que ela me ensinou a fazer sobre a minha educação, sobre mim mesmo. Sei lá, sobre a vida.

Na minha pequenice, cheguei com alguns passos a mais onde vocês chegam um pouco antes. Meu atraso aberrativo já me fez chorar, entrar em formigueiros, iluminar desconhecidos com minha lamparina, perder presentes que ganhei, conhecer ciganas, apertar as mãos de homens com alguns dedos a mais, e ouvir cigarras cantando baixinho no meu ouvido, me fazendo dormir no meio da tarde. É bom ser pequeno e gostar do medo. Meu tamanho me deu mais tempo de estrada. Minhas pernas curtas me deixaram aceitar o tempo e o estranho.

Abdicar de ser grande me permitiu também dormir em muitas camas, de todos os tipos, com gente que era gente e gente que era bicho. Algumas cheiravam a capim limão, e dessas me lembro melhor. As que ficam são as que já passaram, as que me doem. Sou grato à minha forma grotesca e às memórias ainda mais que dela se originaram. Cresci em ser pequeno.

Um dia as tais pílulas acabaram, ou eu quis que elas acabassem (não me lembro), e minha avó me fez sair de casa muito maior. Disse pra eu inventar, a quem perguntasse, que tinha artrose, elefantíase, ou desse outra desculpa esfarrapada que escancarasse essa mentira inevitavelmente mal ajambrada nesses metros que ganhei. Deixei de andar devagar, de me deitar nos galhos finos, de segurar a maçã usando as duas mãos, de amar alguns, de ler Clarice, de ir ao cinema escondido e de beber água da chuva. Mas que diferença faz?, se hoje já nem sei se um dia de fato existiu tudo isso que não existe mais, ou se inventei esse faltar.

Diz-se que sou o maior homem do mundo, mas meu coração ainda tem o tamanho de uma noz. Por isso tenho saudades disto e daquilo, e talvez de duas ou três coisas mais. Minha avó achava bom que eu fosse menor. E com o tempo eu passei a achar também. Mas eu desisti dessa ideia. (é boba)

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