Cartografia do corpo

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Meus pés sentem falta da maneira com que ele costumava tocar neles.

As batatas da perna, acho que sentem saudades de ficarem doloridas de tanto sustentar o corpo na ponta dos pés.

A bacia sente saudade do molejo que tinha quando dançava “La vie em rose”.

Meus seios não sentem a falta de nada. Acho que eles têm memória curta, se adaptam fácil a cada realidade. Acho que isso é uma qualidade.

Meus ombros sentem vontade de sentir de novo a sensação de caminhar no campo de flores altas. Ele ficava no jardim da casa da minha outra avó. Eram flores amarelas que batiam bem na altura dos meus ombros baixos.

As costas sentem a falta da maneira como minha mãe tocava nela, quando costumava ficar sentada muito tempo no seu colo.

A nuca não se esquece de quando os cabelos foram curtos.

Minhas mãos sentem a falta de brincar com a pele já envelhecida das costas das mãos da minha avó.

Minha boca sente falta da companhia noturna de uma chupeta.Companheira fiel até os oito anos.

Meus olhos queriam muito ver de novo o sol se por da varanda da Sain Lazarre 28, enquanto a música do acordeon vinha lá de baixo e entrava pelos meus ouvidos. Tinha certeza que ia sentir saudade desse momento, mas não há jeito de se evitar uma saudade dessas.

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