Estar em um lugar é não estar em vários outros

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Me lembrei do que escrevi sobre uma mulher que eu via todos os dias em Berlim, e reencontrei esse post num finado blog que eu tinha. Sei que a saudade que sinto dela é a mesma que tenho por aquela cidade, o que me faz pensar, dentro do nosso inventário de saudades, naquelas metonímicas. As da parte pelo todo.

A moça do café

14 DE DEZEMBRO, 2009
por lucascanavarro

Descobri outro dia um café parecido com muitos outros na Frankfurter Allee. O único diferencial é que lá se come um ciabatta com mozzarella e tomate ao pesto sem igual em Berlim. É preciso esperar um bocado, porém, até que você de fato possa tascar um pedaço do dito cujo. Mesmo que não fosse esse o caso, seria impossível não notar a pessoa por trás do balcão.

Uma mulher que beira, talvez, os quarenta anos, de olhos azuis e longos cabelos louros, comanda seu exército de um homem só para atender à vasta clientela que enche diariamente aquele cantinho escondido do bairro de Friedrichshain, movida pela comida saborosa, pelo bom café, pelos preços justos, ou quem sabe somente mesmo pela graciosa atendente.

Prática comum em Berlim, a moça do café exerce as funções que num café no Rio, por exemplo, seriam exercidas por cinco diferentes pessoas: manipula o dinheiro no caixa, limpa as mesas, prepara o café, coloca o pão da chapa, esquenta a sopa, e por aí vai. Tudo com um sorriso no rosto, sem esquecer o que falta, sem errar o pedido, sem dar o troco errado. Aqui, como, acredito, na maior parte do mundo, nem sempre os atendentes são assim. A cara fechada não é exclusividade dos garçons sexagenários do Lamas. E olha que eles não precisam dar o troco enquanto escutam o pedido de outra pessoa, no meio do preparo de um café, e não se esquece que a sopa tá esquentando lá dentro! E olha aquela mesa ali, os caras levantaram, tem que tirar os pratos sujos! E não esquece de avisar ao jovem ali que o sanduíche já, já tá pronto… Faltavam 5 minutos para o reinício das aulas e meu pão ainda não estava pronto. Comi com pressa, mas nem um pouco incomodado com isso.

Decidi ir lá congratular a moça do café, ou quem sabe perguntar como poderia falar com o dono do estabelecimento. Sabendo que há uma escola de alemão nos arredores, ela sempre procura falar o idioma de forma bem clara e justa, sem tatibitate. Para poder me expressar devidamente, porém, preparei o discurso em inglês. Me levantei da mesa para dizer àquela mulher o quanto eu admirava sua beleza trabalhadora, e como ela deveria ter orgulho de si mesma, caso ainda não tivesse. Talvez ninguém tenha dito isso a ela um dia, pensei. Um grupo de cinco pessoas formava fila no caixa, checando que croissants estavam lá, que tipo de chai tomariam hoje. Ela não estava lá. Preparava um café ou colocava um pão na chapa. O relógio batia 11h32, abri a porta da rua e calei meu elogio num blog.

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